Histórias de Crente(2)


Zé Luís

Eis que o cartomante andava aborrecido com a nova empreitada da jovem esposa.
Mesmo sabendo de sua aversão por crentes, a mulher cismou de frequentar igreja evangélica, daquelas barulhentas, com velhinhas de sorriso fácil e olhar sempre piedoso.

Junior, medíocre corretor de imóveis, era mais conhecido por seus dotes de estudante das artes ocultas, coisa que fazia desde criança. Para ela isso nunca foi novidade, pois logo que se conheceram, a futura sogra a convidara a participar como médium em seu centro de Umbanda, e ela o fez durante algum tempo.

O filho, no entanto, nunca quis participar daquilo, e se divertia as vezes como ogan daquele pequeno terreiro, tocando atabaque para facilitar a vida(?) das entidades ao incorporarem.

Anos se passaram até que o casal, já com um filho, afastados da Umbanda, mudassem para um sobrado, onde a vizinha crente se aproxima e começa a amizade com a mulher.

O cartomante fazia questão de mostrar antipatia com ela, por saber da fé que professava, pois sabia de que forma aquele tipo de gente tratava pessoas como ele.

Tinha compulsão por leitura, o que o tornava cada vez mais silencioso, mas com a nova empreitada da esposa em ler a bíblia, tomou aquilo como desafio(Ora! O sujeito lia de seis a dez livros por mês ) e tentou iniciar uma leitura da mesma, o que se mostrou frustrante: embora amasse ler, aquilo não tinha sentido: que genealogias eram aquelas? E que raios é “Galardão”?

Considerava a possibilidade de separar-se: aquilo era o fim da picada! Uma mulher crente
tentando exorcizar o próprio marido encapetado – imaginava ele. Já havia levado-a a porta da igreja duas vezes nestes meses todos, mas nem um pequeno aceno era devolvido a sempre carinhosa recepção dos crentes na entrada do templo.

Foi então que Antonio, um advogado que morava ali perto, apareceu no seu portão. Não era a primeira vez que ele buscava alento nas cartas de Tarô, e pagava o preço que fosse para que o rapaz o fizesse, mas aquele dia ele tinha em seu semblante um ar sombrio, típico de quem tem planos terríveis, e não existe nada que o impeça.

Naquele dia, as cartas não falharam, e o corretor fez questão de refazer o carteado por três vezes.
- Você já descobriu o que vou fazer, né? - disse o advogado com os olhos marejados e com a voz grave, através de seu sorriso amargamente sombrio.

O cartomante já sabia: o tarô revelava um suicídio.

Não haviam argumentações ao alcance daquele estudante de esoterismo que pudessem convencer o advogado do contrário. Foi quando teve a idéia. Pensou:
Levarei este sujeito para igreja – era dia de culto e a mulher estava lá – e certamente, após o culto, ele cometerá suicídio; o pastor daquele lugar será culpado pelo ato, já que o visitante se matou depois do ver a cerimônia. Assim, convencerei a mulher a abandonar esta idéia idiota de ser crente...

Mais que rápido, pegou o velho Chevette, e colocou-o dentro, sentindo só então o forte cheiro de Whisky no homem, e rumou para a igreja.

O culto já havia começado, e descendo do carro, levou-o pelo braço até as escadarias da pequena igreja, mas Antônio começou a mostrar resistência em prosseguir. O cartomante dizia:
- Pode ir...eles vão te ajudar...
- Entra comigo... - lacrimejava ele, como fosse bebê, com seu passo exitante.

Contrariado, o rapaz levou-o até dentro da nave, colocou-o sentado, e para certificar-se que ele não sairia, vigiavao-o do último banco, esperando que ele fosse visto. Era parte do plano.

Como de praxe, começou seus exercícios de leitura mental – que aprendera nas artes místicas - e qual não foi sua surpresa quando não conseguiu. Eram pessoas simples, certamente não tinham poder para repelir o preparo que ele, místico treinado, possuía nas artes ocultas. Mas nada aconteceu.

Percebeu também que era a primeira vez que sua mente estava em silêncio, sem os frequentes pensamentos que não lhe eram seus, mas das entidades que cultivava para melhor acerto em seus trabalhos místicos.

Ele se sentia em paz pela primeira vez, e não lembrava se algum dia sentiu-se assim.
Aquela noite, Antônio, o advogado bêbado e suicida aceitou Jesus como seu Caminho. Trouxe depois a mulher e a amante para igreja, e após alguns cultos se mudaram dali, e nunca mais se teve noticia dele por aqueles lados.

Quanto o cartomante, ele se apaixonou pela Paz que excede todo entendimento. Nunca mais deixou de frequentar aquela igrejinha no alto do morro da periferia de São Bernardo do Campo.

Agora o cartomante é crente “penteca”, com direito a uns “grórias a Deus” de vez em quando.
Muita coisa aconteceu desde daquele Outubro de 1996.

O cartomante era eu.

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