Pregando... a Discórdia


by Pablo - Diário de Bordo
Colaboração Barriga Verde: Claudio Marcio

Hoje fui à formatura de meu sobrinho, filho de um primo querido e um de meus melhores amigos. A formatura aconteceu na Igreja Batista Getsêmani e, embora ame profundamente meu sobrinho, meu primo e sua esposa, em certo momento do sermão tive que me levantar ostensivamente e sair dali enquanto sacudia a cabeça, enojado.

Não, "enojado" é pouco.
Mas voltemos um pouco no tempo.

Há alguns dias, Luca, que tem a mesma idade do meu sobrinho, também se formou no segundo período. Sua festa na escola foi alegre, repleta de dança, teatrinho e brincadeiras. Luca e sua turma apresentaram três músicas, assim como as demais crianças dos outros períodos. Tudo durou pouco mais de duas horas, mas sempre com muita alegria, riso e descontração.

A cerimônia de meu sobrinho aconteceu na Igreja Batista ligada à escola na qual ele estuda e durou quase três horas. Três horas de pregações com uma ou outra música jogada no meio. Músicas com letras religiosas, claro. As crianças vestiam ternos e vestidos formais, contrapondo-se aos figurinos festivos da festa de Luca.

Até aí, tudo bem. Ninguém disse que uma formatura precisa ser divertida (e depois de sairmos dali é que iríamos realmente festejar a data). Porém, as pregações de um certo pastor Jorge Linhares, um senhor que passei a considerar repulsivo, me despertaram nojo absoluto. Em primeiro lugar, ele começou a falar sobre como o mundo está cada vez mais entregue à "perversão". Ok, mesmo que hoje não existam mais arenas nas quais pessoas são devoradas por leões para a diversão alheia e que estejamos longe dos tempos sombrios da Idade Média, há pessoas que acreditam que o mundo vem piorando de século para século. Vá lá.

Mas então, para provar seu ponto, o senhor Jorge Linhares citou as enchentes em Santa Catarina. "Um castigo divino". Chegou à compará-las ao dilúvio, explicando que Noé não pôde abrir a Arca para os pecadores.

Esqueçamos, por um momento, que estávamos na cerimônia de formatura de crianças de 5 e 6 anos e que aquele "sermão" era completamente inadequado ao contexto. Ainda assim, como justificar que aquele... "pastor" estivesse argumentando através de uma lógica torta que as vítimas da enchente foram alvo de uma "punição" divina? De acordo com o senhor Jorge Linhares, os mortos, feridos e desabrigados de Santa Catarina mereceram o que tiveram, já que Deus precisa punir o mundo "perverso" que estamos construindo. Que alma caridosa, não?

Lembrei-me daqueles que dizem que a AIDS é a punição divina para os gays. E também daqueles que celebraram a morte de Heath Ledger como a punição a um ator que encarnou um homossexual. E, claro, do televangelista crápula Pat Robertson, que, poucos dias depois do 11 de Setembro, disse em seu programa de rádio que aquilo tinha sido uma punição de Deus à liberalidade cada vez maior dos Estados Unidos e a tolerância aos homossexuais.

E já que falei nos homossexuais...

... depois de usar uma tragédia como a de Santa Catarina para "provar" um argumento repulsivo e ilógico, o pastor Jorge Linhares, num exemplo absurdo de non sequitur, passou a atacar os gays. "Muitos defendem o casamento entre homossexuais", disse o senhor Linhares, babando ódio e irracionalidade. "Eles não têm que se casar de forma alguma, não podem. Isso é preconceito? É preconceito, sim, mas que temos que ter mesmo! Esse tipo de casamento vai destruir a instituição do matrimônio. E outra coisa: alguns defendem que casais homossexuais possam adotar crianças órfãs. Não podem, não. É preferível que as crianças cresçam no orfanato do que criadas por um casal de homossexuais".

Lembro, mais uma vez, que este homem que passei a considerar um verdadeiro crápula estava discursando numa formatura de crianças de 5 e 6 anos de idade.

Foi neste instante que me levantei e saí, levando Luca comigo. Quando Luca perguntou por que estávamos saindo, expliquei que aquele moço lá na frente estava usando o nome de Deus para falar coisas erradas que inspiravam o ódio. E que Deus não gosta de ver as pessoas se odiando, que ele gosta de ver o Amor. Mas que, infelizmente, existem pessoas que usam o nome de Deus para enganar, para enriquecer ou para ganhar algum poder de influência e que, para isso, transmitem mensagens repugnantes e erradas como aquela.

Ensinar crianças a odiar? A discriminar? A julgar o próximo apenas porque este é diferente?

Minha revolta, nesse momento, é indescritível. Sinto minha cabeça girar de raiva. Como alguém pode submeter crianças a uma lavagem cerebral como esta, à influência maligna, cancerosa, de um "pastor" como o senhor Jorge Linhares?

Não sou um profundo conhecedor das Leis, mas suponho que o discurso preconceituoso do "pastor" Jorge Linhares infrinja algumas delas. E sei que seu "sermão" odioso foi filmado por dezenas de câmeras. Gostaria muito de vê-lo na cadeia.

A liberdade religiosa não implica no direito de fazer apologia da homofobia. E se é este tipo de crápula que fala em nome de Deus nas igrejas evangélicas...

... o Diabo está bem representado.
Comentário do Editor: Esse é o tipo de evangelismo que precisamos?

Comentários

  1. Parabéns ao tio, que inspirado pelo Espírito de Deus - o que nos chama ao respeito mútuo, ao amor, à concórdia e ao zelo pelos outros, ainda que deles discordemos - retirou-se do recinto levando seu sobrinho, que realmente não merece ouvir coisas deste tipo. As Escrituras já foram usadas para tantas coisas que matam o que há de melhor nos seres humanos! Escravidão, subjugo irracional e machista contra mulheres, assassinatos, guerras, preconceito racial... hoje, as Escrituras são usadas como chibatas divinas contra homossexuais e outros excluídos! Racionalidade não se contrapõe à fé, na verdade, se complementam e como todo dom, vem do Alto. Graças a Deus pelo chamado que Ele me convidou e que eu aceitei: trabalhar desconstruindo esses que, em nome de um deus morto, lança morte à sua volta!

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