Agradeço por Deus me Ignorar...Ou quase isso...

Zé Luís

Sempre tive meus planos quando ingressei no que chamam "fileiras do Evangelho". Ainda mais quando, lá do púlpito, veio a confirmação de que eu tinha um ministério no Reino, tinha um grande trabalho a ser feito em nome de Deus.

Desde então, passei a sonhar com o que seria meu trabalho eclesiástico.
Logo que entrei na Igreja, por ser músico e compositor, fui convidado a auxiliar o grupo de louvor, o que logo aceitei: me imaginava diante de multidões com um microfone e um violão (ou, quem sabe, uma guitarra estridente e distorcida a lá Metallica). Nunca compus mais que vinte músicas, que são tocadas raramente em algum evento, só na minha igrejinha.

Fiz então curso para pastor, li a bíblia inteira por duas vezes, e me arriscava no grego e hebraico, e com minha alta capacidade de absolver informações, em menos de um mês devorei todas as apostilas, fazendo a prova de avaliação em menos de cinco minutos. Fui reprovado.

Jejuei, busquei orar em montes a oração que faz com que eu jogue a ancora do meu pequeno bote para puxar a Ilha até minha presença, sem me importar se meu raciocínio discordava do que me pré-dispunha a crê. Falei em um idioma estranho, e senti em meu ser algo indescritível. Esperava que isso fosse o início de uma carreira evangélica promissora, próspera, lucrativa. Não foi.

Ansiava por um cargo na Igreja que justificasse minha alta capacidade, mas, apesar de minha modéstia, Deus não se comoveu com o desperdício da igreja e foi me dado um ou outro serviço menor, que estranhamente, fracassei em cumprir.

Muito do que requisitem em minhas orações em meus sonhos de grandeza não foram respondidos. Depois, até minhas mesquinharias mais fúteis foram aparentemente ignorados. Logo no início da conversão elas eram atendidas, mas parecia que os desejos da lâmpada mágica haviam se esgotado.

Mas ainda ficou pior: até nas coisas mais básicas comecei a falhar. Já não conseguia mas nem manter o mínimo de aparência como um tradicional crente. A maldita máscara já não se fixava em meu rosto. Nunca consegui ser pastor de multidões, nem cantei - ou toquei - para estádios lotados. Nunca viajei para nenhuma terra distante em missão para o Evangelho, nem fui convidado a dar palestras em congressos - nem ao menos os municipais.

Hoje não tenho os adeptos e seguidores que imaginei que inevitavelmente teria.

Tenho amigos que sempre bagunçam meus ralos e grisalhos cabelos quando me cumprimentam. Não sou respeitável nem ilustre, sou comum, simples e acessível e estou plenamente satisfeito com isso.

Meus admiradores são meus filhos, no qual consegui ensinar a tocar, e perpetuam-se louvando a Deus com seus instrumentos na mesma igrejinha que até hoje freqüento, bem mais barrigudo do que no começo.
Tenho irmãos que choram quando por mim intercedem, sem se importar com meus talentos, e graças a Deus, com meus pecados.

Gente que me ama, apesar de eu não ser nada a mais que um crente. Pessoas que morrem de rir do meu jeito ridículo, estupido, do zíper que esqueci aberto, da piada que de tão mal contada, ficou cômica.

Agradeço a Deus por não ter atendido nenhuma daquelas orações, e nem ter mandado um raio na minha cabeça, quando fracassava sistematicamente em ser exemplo bom de qualquer coisa.

Obrigado por não permitir que a soberba me tornasse pior do que sou, me mantendo sempre um filho livre de ser o que não podia ser. Mas confesso: demorou para entender, e ainda estou aprendendo...

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