Filmagens que Deus faz e só vemos no Fim


Zé Luís



Em certo tempo da vida, todo mundo mostra um "quê" de cineasta. Basta atentarmos para a multidão de relatos sobre o filme auto-biográfico que passa, em fração de segundos, pelos olhos daqueles que se vêem as portas do fim quase sempre irremediável.

Raros são os Zefirelis, Spilbergs, Georges Lucas. A violência de alguns revelam Tarantinos. Muitos mostram produções medíocres, curtas-metragem, pornografias tristes, novelas mexicanas de 2ª, policiais, filmes de categoria"B". Raramente são épicos, mas estranhamente revelam uma intrincada harmonia em relação às outras histórias, "rodadas" de forma simultânea e aparentemente aleatória.

Fascino-me com isto desde criança, já que a coisa de "filminho" não é de agora, e meus pais já comentavam sobre o fenômeno.

Moleque, imaginava então que, deveria fazer algumas poses, algumas cenas divertidas, e quem sabe arrancar risos quando eu e o Criador assistíssimos minha história. Trancava-me no banheiro e, como diretor e astro, fazia meu show, tentando adivinhar onde poderia estar a câmera deste sobrenatural Big Brother. O melhor close valoriza a película.

Mas o filme não para de gravar, e com o tempo, mesmo sabendo que estava sendo registrado, desisti de atuar e deixei dar vazão a alma não fotogênica, desocultei discretamente o vilão que há em mim, provando que o mocinho da trama era na verdade o bandido, e todos nós, cinéfilos da vida, sabemos o triste e merecido fim para a maldade nestes contos.

Tentei fingir que as câmeras não estavam ali, ou ter a sorte que naquele momento, elas, por algum problema técnico, não tivessem registrado minhas maldades disfarçadas, imoralidades ocultas -ou não, os delitos e a mesquinhez que só eu e a - agora, maldita - câmera viam.

Como não havia mais jeito, me condicionei a crer que ela não estava ali, e passei a imaginar que era dono de meu destino, que minhas rédeas estavam controladas. Era eu um belo carro que insistentemente descia um barranco pedregoso onde não havia estrada, fingindo não ver que os pedaços do veículo estava se perdendo pelo caminho, e que gradativamente estava deixando de ser ser.

Mas a vida, assim como a morte, cobra sua conta,e a minha, sem que eu percebesse, me endividara irreversivelmente. O meu estilo, a médio-longo prazo, me levou para o lugar onde loucos se perdem para sempre. E pior: na madrugada ela, a vida, me acorda com os piores trechos da tal filme que não existia. As atrações atuais mostravam lágrimas em pessoas a minha volta, decepções, indiferenças, frustrações, tudo muito pior do que o inicio do longa-metragem, quando os erros eram apenas infantilidades. O personagem principal era agora uma distorção, um canastrão, algo digno de ser lançado na vala comum da História. Não era musculoso, era barrigudo. Minhas falas eram recheadas de imbecilidades, meus amores cheios de ingratidão e mentira, meus argumentos abarrotados de egoísmo. Meus julgamentos sempre parciais.

E ela, a tal película, estava ali, rodando. E o desespero me dominou, de forma velada, gradativa, constante e implacável.

Foi neste trecho que o Grande Cineasta, o que harmoniza as vidas e destinos dos filmes que rodam simultânea e nunca aleatóriamente, veio e desmanchou minha agonia com seu toque de Mestre, dado com sua mão furada. Tinha um sacrifício em sua proposta que, se aceito, só se entenderia no fim das filmagens.
E a vida continuou...


Naquele Dia, junto a Ele, como sonhara na infância, a seu lado, caminhava como no poema Pegadas na Areia, de Margareth Fishback Powers. Inicialmente, envergonhado, não quis ver a projeção enorme que parecia estar num imenso céu, mas quando as mãos me tocaram, tive forças e ergui meus olhos.

Não havia nada sendo exibido. Apenas a legenda:
"Este conteúdo foi lançado no mar do esquecimento pela autoridade do sangue do Cordeiro. Não mais interessa a este Reino.  As coisas velhas se passaram. Eis que tudo se fez novo..."
- Não mereço - eu disse.
- Eu sei. Mas não vem ao caso. - respondeu Ele com aquele semblante que a gente tem certeza que já viu, mas só tem certeza de quem é quando volta para casa.


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