Mentoria - Não se deixe azedar


Acho que você não me entendeu. Ao contrário do que transpareceu na reunião que tivemos outra semana, caro amigo, eu não estou amargurado. O contrário aconteceu. Eu fiquei abatido por sua causa. Notei que você veio para o encontro com o coração inoculado com o virús da indiferença. Você, que ainda não tem a idade de Cristo, mostrou-se arrasado diante do imperativo de lutar pelo bem. Em suas poucas intervenções afloraram angústia, desdém e um cansaço típico dos idealistas caducos. Admito, fazer o bem demanda esforço; o coração bate acelerado, a retina não para de dilatar e retrair, e as febres psicológicas desgastam.

Ao ver-lhe assim, já arqueado pela decepcão, eu quisera repartir antigos medos que me motivaram à luta. Você entendeu bem, muitas de minhas coragens não passavam de temores enrustidos. Fui impetuoso não por zelo, mas por complexo de culpa. Transpirei camisas, calças e meias porque, na verdade, desejava fugir de mim mesmo. Desprezei o provérbio milenar que brilhava como letreiro de neon: “Maior é o que conquista a si do que o que domina uma cidade”.

Ouça Vinicius de Moraes, o Poetinha. Ele escreveu a um jovem que também parecia afogado em desencanto, e igual a você, projetava nos outros a razão de sua crise: “’O Outro', não preciso dizer, é você próprio. É o súcubo que, todos, temos dentro de nós; o ser calhorda, comprável com a moeda da mentira e da lisonja, que de repente adota a gratuidade como norma, por isso que a paixão é mais insaciável que o infinito aberto em cima”.

Não tente exorcizar seus demônios residentes com ativismo. Eles ficarão mais atiçados pela volúpia da conquista. Entre em contato com suas dores sem pressa de sossegar. Encare-se no espelho da Graça. Assassine o Atlas que procura dizer que é possível carregar o mundo nas costas.

Quisera saber fatiar meus pensamentos em pequenas porções e explicar o emaranhado de ideias que eu próprio não decifro. O intrincado fluxo de minhas reflexões são linhas atadas dentro de um novelo de mistérios. Mas não importa tanto ser lúcido, importa ser bondoso. A teologia foi para mim uma madrasta desalmada; prometeu ensinar a trilha segura em direção ao divino, mas me abandonou só, sob uma tempestade de granizo. As largas estradas da codificação sistemática do divino se estreitaram no meu coração e hoje, em minha madureza, quero respirar a beleza de Deus através da poesia.

Satisfaça-se em reconhecer que fomos criados para lavar, com nossas lágrimas, as dores que nos rodeiam e oferecer o nosso regaço como berço onde viajantes perdidos se refazem para rotornar à busca de seus caminhos.

Quisera poder gritar de dentro de minhas próprias dores: não desista, eu também não desistirei. Fertilize-se das cinzas, ressurja como uma Fênix teimosa. Alimente-se de biografias; acompanhe a trajetória de Ghandi, Martin Luther King Jr., Madre Teresa, Nelson Mandela. Visite bibliotecas eletrônicas. Familiarize-se com ONGs que trabalham pela inclusão de cegos, surdos e paraplégicos. Visite hospitais e escolas para crianças especiais. Desça aos porões pouco iluminados pela mídia, lá você encontrará o Messias.

Por favor, não permita que o cinismo de quem vive de futricas lhe roube da nobre tarefa de construir um mundo melhor para a próxima geração.

Soli Deo Gloria
15-03-10

Comentários

  1. Texto magnífico esse de Ricardo heim. Principalmente quando fala o quanto a teologia parece ter lhe dificultado mais ainda a aproximação de Deus, provavelmente com a mania sistemática, com fórmulas e teorias pra explicar algo intangível; e também quando como Philip Yancey procura o Messias em pessoas que agem em prol do próximo de modo que suas ações são muito mais notáveis do que as bandeiras religiosas que por acaso elas estão submetidas.

    Muito bom!

    Leão.

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