A igreja da Arca e o Pastor Noé - Um culto

Zé Luís

O convívio fez que todos se compreendessem. Isso não significa que a vida tornou-se mais fácil.

Cada um exala o cheiro que é capaz de suportar, mas suportar odores alheios por obrigação não é um exercício dos mais agradáveis.

Alguns animais realmente não suportaram aquela vivência extenuante: Os hipios, os binvis e os estranhos palatônios preferiram mergulhar nas cinzentas águas diluvianas, que abrigava os corpos mortos de quase toda a humanidade.

Noé chegou para trazer uma Palavra em sua arca. Como sempre, a coruja era quem mais prestava atenção. O casal de macacos desdenhava: “está na cara que Noé não sabe o que fala” - pensavam eles - “Tudo é uma questão de evolução, esse negócio de um Criador ter feito um casal, o mundo em sete dias...quanta bobagem!”

A girava, fofoqueira, ficava de olho no que todos faziam. Quando juntava ela e a cobra, aí que a coisa ficava feia: “O que foi mesmo que Noé disse?” questionava o réptil, e sempre que alguém respondia o tema do sermão, ela recontava a história, distorcendo o sentido original. É uma pena que certas criaturas tenham tanta dificuldades de abandonar seus piores hábitos.

A gralha insistia em fazer o louvor ao lado do rouxinol, enquanto o papagaio ministrava. Estranhamente, muitos preferiam quando a gralha cantava.

Ovelhas se esforçavam realmente para entender o que o velho profeta queria explicar mas, ou seu entendimento não alcançava aquele raciocínio, ou Noé não estava falando nada com nada (ele, como todos sabemos, era chegado a um vinho).

Aos filhos de Noé coube o diaconato: remover a sujeira que a bicharada gerava dentro do culto. Não que aquilo fosse satisfatório, mas assim como todos ali, ninguém queria ficar mergulhado num barril de esterco dos mais variados.

O terrível da arca é que a coisa era “binária”: ou você fica ali e vive, ou sai e morre. Essa é uma diferença - e não uma semelhança – com as arcas de hoje.

Hoje alguns auto-proclamados “Noés” tem o brilhantismo de saber oferecer a salvação através de sua suntuosa arca, mas ao passarmos a viver nela, mesmo quando o fim prometido ainda não chegou. As arcas atuais são lugares mágicos, onde se alcança uma necessidade, e você pode voltar a viver em meio ao dilúvio.

Muitas arcas acabaram guardando dilúvios em suas anti-salas, para quando algum bichinho desagradável surgir, os ameace com o fim eterno. Outras só estão interessadas na parte em que Noé atravessa a tribulação e se serve de um de seus animais em oferta.

Sabemos que o convívio proposto por Deus tende a fazer que enxerguemos cada falha de caráter alheio(e consequentemente expor os nossos), faz com que nosso hálito inunde o nariz alheio, que nosso cheiro seja cada vez mais conhecido, que nossa risada e ladainha seja reconhecida por todos aqueles com quem convivemos.

Por pior que isso pareça, essa vivência aparentemente doentia estava na oração do Mestre, logo em sua primeira frase: “Pai nosso...”

Sei que muitos preferem o “meu Pai”, mas Cristo não ensinou assim: tem que ser ovelha conversando com elefante, lobo com tamanduá, jacaré com antílope, aprendendo a lidar com a sujeira alheia, e vendo nelas, as suas próprias.

Comentários

  1. Muitíssimo interessante essa analogia!!!

    Agora entendo esse lance de louvooooorrr tão exagerado como se Deus fosse surdo. A culpa toda é da gralha exagerada e desafinada querendo aparecer mais do que o rouxinol que "se garante".

    E o picapau, heim? Eita bicho mala.

    Enfim, foi desse baú furado que saiu tanto mau exemplo pro bicho-homem.(Afinal, é "bíblico" achar um culpado rss)

    Ah, "meu" Pai!

    R.

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  2. O texto é mesmo muito bom!! Agora, eu só teria a dizer que essa convivência "obrigatória" com um monte de bichos diferentes de você, sirva não somente como metáfora para os zilhões de crentes membros de zilhões de denominações, mas também com todos os homens de todas as fés.

    um abraço.

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  3. Ei Zé me lembrei de um comentario seu lá blog: bichos na mesma arca exalando odores diferentes. Como é dificil aperfeiçoar a arte da convivência.

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