Não toqueis no ungido do Senhor

por Zé Luís

Foi ódio a primeira vista.

Quando Junior viu o novo funcionário, contratado para aprender seu mesmo ofício, corretagem de imóveis, algo inexplicável nasceu nele: repulsa misturada com muita raiva.

O novo contratado era baixinho, vestia-se com um terno surrado, comprado em algum brechó, e a julgar pelo tamanho, o antigo proprietário conseguia ser menor que ele, já que não devia ter mais que um metro e meio, embora a cabeça grande -e o queixo ainda maior, tudo desproporcional pareciam de uma pessoa com dois metros. Seu português incorreto rendia boas piadas, ainda mais quando ele falava ao “criente” que se “havesse pobrema com a compra”, o cheque seria “assustado”. Nada era tão ruim para Júnior nele quanto um detalhe que incomodava-o profundamente: o sujeito era crente.

Júnior era conhecido por seus dotes na área do ocultismo, seu tarô, suas demonstrações psíquicas e influências que inculcava nas pessoas. Sua mãe babalorixá dava mais credibilidade a ele entre os colegas, que o consultavam com frequencia...até aquele dia.

O tal crente, com sua postura pacífica e com um sorriso inexplicável, não o procurava pelos favores habituais, e ainda mais: não dava a ele o reconhecimento que todos os outros se prestavam (por medo ou por ser a dona da imobiliária simpatizante dessas coisas e amiga de sua mãe macumbeira).

Não demorou para Júnior começar a perseguir o pobre “irmão aleluia”(assim que o chamava), fazendo campanha entre os colegas para que fosse demitido. Com falsos testemunhos, defendia a ameaça de que seria, se esse conseguisse mais êxito nas vendas do que eles (coisa que não demorou a acontecer: em pouquíssimo tempo, vendia mais que metade da equipe) desmoralizaria como profissionais.

-Ele é uma vergonha, fala errado, é um imbecil de uma religião de imbecis – bradava, as vezes, de forma descontrolada, embora o crente nunca percebesse a trama.

Tamanha foi a perseguição, que não tardou para que o crente fosse demitido. Júnior foi para casa, e no dia seguinte, domingo, em comemoração solitária, sentou na calçada, diante da casa onde morava, só de bermuda, tomando todas as cervejas que pode.

Morava numa avenida e olhando ao longe, viu a figura do crente, subindo a pé, debaixo do sol causticante, com seu terno surrado, sua esposa de saião e seus quatro meninos, enfileirados, com bíblias debaixo do braço. Iam para igreja:

-Deus abençoe... - cumprimentou ele com o mesmo sorriso inabalável. Junior apenas grunhiu de ódio: Ele continuava com aquela paz absurda, depois de tudo!

Júnior não fazia ideia como esse negócio de mexer com crente é perigoso: ninguém informou-lhe, por exemplo, que sua esposa era uma desviada da Assembleia de Deus, e sem mais nem menos, voltaria a frequentar uma igreja, reconvertendo-se, e chegando a andar com a bíblia colada a axila. Ele, na tentativa de tirá-la da igreja, acabou se convertendo de forma tão profunda, que passou a tentar converter as pessoas de seu trabalho, sua mãe macumbeira, suas irmãs espíritas. Todos se afastaram dele.

A perseguição que promoveu contra o crente cabeçudo nem de longe foi parecida com a que sofreu: foi humilhado, desdenhado. Por se recusar a prestar os velhos serviços de ocultismo, foi descartado, demitido, e como já não vendia havia meses, sem salário, seu aluguel atrasou e foi despejado. Por não ter onde colocar os móveis, doou tudo e foi morar de favor na casa dos sogros (que eram desviados também), apenas com colchão e dois filhos no quarto do casal.

Hoje, mais de quinze anos depois, Júnior trabalha na área de tecnologia, como coordenador.

Conseguiu sair do aluguel, e chegou a ser professor de escola bíblica dominical. Estudou para ser obreiro, e atualmente escreve sobre assuntos cristãos nesse blog, sempre lembrando que tudo começou quando um idiota achava que podia perseguir uma pessoa que não revidava, por julgá-la indefesa, um crente esquisito e cabeçudo, que nunca mais viu, embora quisesse muito agradecer-lhe por ser um cristão legítimo, e claro, pedir-lhe perdão.

Júnior sou eu.

Comentários

  1. vai mexer com crente, vai!

    ainda mais crente cabeçudo e fiel... pelo jeito do tipo do sujeito, devia ser da Bléia. #lascou

    agora sério, mexer com servo de Deus, fiel, é a pior roubada.

    agradeço ao Senhor q não gostava de fazer isso, mas ficava admirando os servos fiéis q eu conhecia. Um servo fiel prega de uma forma q não tem como escapar ou esconder: com o testemunho.

    Glória a Deus pelos fiéis, a quem o Senhor busca.

    gostei da história, mano.

    ah, vc já leu minha história de casamento? Não? Não diga... rs

    Da masmorra da solidão para o Jardim do Éden

    http://wallysou.com/2011/06/23/da-masmorra-da-solidao-para-o-jardim-do-eden/

    Duvide-o-dó que vc leia, e ainda comente... risos

    abs, apz.

    wally.

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  2. Glória a Deus!

    Layssa

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  3. Essa experiência falou grandemente ao meu coração, porque eu sou a nova "contratada" de uma empresa e perseguida, mas continuo firme em Deus, pois eu sei que meu REDENTOR vive. Chorei muito ao ler essa história, pois em alguns momentos de dor e humilhação esqueço que o meu Deus está vendo tudo e sabe da minha fidelidade para com ele. Obrigada por compartilhar conosco sua experiência de vida e espero que outros também entendam que não podemos TOCAR NO UNGIDO DE DEUS!
    LUCIANA CAPRICE

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  4. sinistro hein? isso é coisa de zé mesmo... mas que bom que Deus teve misericórdia de vc, "...como é duro recalcitrar contra os agilhões do Senhor..." Deus te abençoe e te de muitas inspirações no seu blog. há!!! também sou zé.

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  5. Ta aí uma grande diferença...

    Cristão verdadeiro dá a outra face, não revida...

    Amém,

    Eu tenho certeza que esse irmao orava por você....

    abç.

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  6. Fantástico. Este crente anônimo, que nem o nome a gente teve o prazer de ficar sabendo, sofrendo as perseguições do Júnior em silêncio, esperando em Deus, dá uma lição nos crentes atuais, que vociferam contra seus inimigos, em atos proféticos que mais parecem devaneios dos irmãos Boanerges... "Queima, Jesus!"...

    E em relação a vc, que o perseguia... Bem feito!

    Deus te abençoe!

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  7. Putz cara!!! um história e tanto!!! Uma das coisas q mais percebo de especial é que vc reconheceu as consequências dos acontecimentos e agora têm a humildade de contá-los com sinceridade... Muitos por aí ainda precisam aprender e mesmo apanhando na vida, não se dão conta de seus malfeitos.... abraço Zé!!!

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