Eunucos, boiadeiros e o fim do Amor

por Zé Luís

Ouvi essa história quando adolescente. Trabalhava em uma industria de confecção de artefatos de borracha, era office-boy. Naquele dia, pegava uma carona com os motoristas da empresa até o centro da cidade, onde faria meu serviço de enfrentar filas e mais filas de banco, pagando boletos e pegando protocolos.
-Diz que o boiadeiro levava a boiada para ser vendida no abatedouro, que ficava do outro lado do rio São Francisco, conhecido por ter piranhas. Entre sua boiada, havia sempre aquele boi que sabidamente não chegaria a seu destino, por estar enfraquecido por alguma doença ou não ter nascido com a força suficiente para aquela jornada. Era aquele mesmo animal doente que era lançado sozinho para travessia das águas. Assim que chegava na metade da travessia, as piranhas vinham e o devoravam, arriando o animal, que era levado pela força da correnteza, seguido pelos letais peixes.

Tal história deu-se para me explicar o termo “boi de piranha”, uma outra forma de dizer “bode expiatório”, já que falavam sobre a demissão de apenas um sujeito, quando daquele setor esperava-se a dispensa de todos os funcionários. Em resumo, “a corda, normalmente, estoura do lado mais fraco”, diziam. Regras que se aprendem nesse mundo injusto, que sabidamente jaz no maligno.

Outro motorista na kombi, comentou outra história de boiadeiros e o rio São Francisco:
-O chefe boiadeiro, mesmo fazendo isso com seu “boi de piranha”, atravessou com sua boiada, e quando estava no meio da travessia, montado no cavalo, com metade do corpo submerso e apenas a cabeça do cavalo fora d'agua, sentiu que sua genital foi totalmente comida pelas piranhas. Gritou então a seus funcionários boiadeiros, que o auxiliavam na travessia:
-Traz a boiada de volta, aquele para quem eu trabalhava já não existe mais...

Conta a lenda que esse boiadeiro nunca mais trabalhou.

Nem todos vivem e orbitam em volta da sua sexualidade, embora os “eunucos” sejam temas frequentes na bíblia, homens castrados por seus reis para que pudessem cuidar de seus haréns e bens mais preciosos. Castrados, tirando-lhe qualquer possibilidade de ímpeto viril para com suas concubinas. A castração sempre foi a solução para controle das paixões, já que estas são propulsão para coisas boas e más.

Jesus citou, quando falava de casamento e divórcio, que alguns nascem sem essa necessidade, como eunucos, outros se fazem eunucos por uma causa – no caso citado, pelo Reino. Também deixou claro que nem todos podem assimilar essa realidade, embora seja Palavra, nem todos podem vivê-la (vide Matheus 19).

A castração da alma é a remoção do amor. Como o boiadeiro, todos nós ficamos sem ter porque viver quando nos é tirado a capacidade de amar de forma plena, não há forças para perseguir paixões, ou mesmo quando cremos que elas nos serão inalcançáveis. O amor jamais aceita isso.

As causas, como o próprio Mestre ensina, estão simplesmente no existir, e elas acontecem na maioria das vezes gradativamente. A dor infringida de um ego contra outro, já que o que causa só sabe oferecer o que ganhou a vida inteira: lágrimas. A mentira, o engano, o ego orgulhoso daquele que acha que o mundo tem que lhe dar tudo e ele não tem que oferecer nada (eles aceitam aquela sensação de que tudo em volta, na vcrdade, é um joguete feito exclusivo para ele), a frustração com a dura realidade de que os amores podem chegar quando já não podemos mais desfrutá-los, a crueldade daqueles que querem amar a qualquer custo, nem que para isso destruam o objeto amado. Mal sabem que estão, a casa segundo, extinguindo o amor desse mundo, respondendo a pergunta do mestre:

“Haverá amor no mundo quando o Filho do homem voltar?”

Considerada como mal do século XXI, a depressão caracterizasse como essa ausência da vontade de continuar vivendo, a capacidade de amar já não reside em sua alma. O apóstolo Paulo fala desse oco, quando afirma que a vida, por mais plena, quando as capacidades podem extrapolar os limites sensoriais, permitindo-nos se comunicar com os daqui e os do céu, na língua dos homens e dos anjos, conhecer e obter tudo, desse e do próximo mundo, sem amor, é como alimento delicioso em uma foto,  suculento para quem vê, mas impossível de ser degustado, um sino que bate, tudo é como parte de um cenário desimportante e descartável.

Alguns defenderão que deixar de amar é o mais racional a fazer, já que o Amor tudo suporta, tudo espera, é sofredor, o amor não se permite ser superficial em suas considerações alheias. Por mais que seja bajulado, não se permite a soberba em sua alma. O amor não aceita militar em causa própria, e não acusa sem ter certeza. Não permitir sua ação é evitar a dor das decepções e ingratidões. Ser indiferente a isso. Não  correr o risco de ter que atravessar rios com piranhas.

Tudo isso demanda viver incompativelmente com essa atual sociedade, e significa prejuízo nas mentes daqueles que estão em sistemas onde se exige exatamente o oposto. Sem incompatível com o mercado de trabalho, ser incondizente com as relações na forma que estão.  

Muitos castram suas próprias almas por conta disso, e extirpam lentamente de si a presença do Amor, esquecendo-se que, apesar do que tudo possa parecer, este nunca erra.

Sim, o fim das coisas se dará em um mundo de eunucos de alma, onde não haverá mais ânimo para o Bem ou para o Mal, onde cada levantar ou alimentar se dará sempre com um questionador íntimo “para que continuar com isso?”. Não se amará mais o próximo, já que não amam a si mesmos, e pedirão às montanhas que nos esmaguem e terminem com tudo.

Adiar o fim é propagar o Amor, uma boa nova a ser contada. Quão belo são os pés de quem propaga o Evangelho.

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