Reações

por Zé Luís

Eu era novo convertido quando aconteceu: estava em um ensaio musical, numa manhã de domingo, enquanto muitos outros grupos da igreja estavam se ajuntavam nos diversos salões daquele imóvel.

Estava feliz por poder voltar a tocar, após tanto tempo afastado de bandas. Subi ao banheiro, uns doze degraus de onde ficava o salão e encontrei um moço da igreja, já tinha o visto nos cultos mas não sabia quem era.
-Paz do Senhor, né irmão! - disse ele, estendendo a mão, o que retribui sistematicamente. O que não esperava é que ele abrisse a boca, botasse a língua de fora e tentasse me beijar.

Minha atitude? Como hétero? Nem eu entendi: meus braços não se armaram para revidar a tentativa com uma agressão truculenta, embora era exatamente o que eu esperava fazer diante daquela situação.
-Rapaz! Você tá louco? - eu repetia, sem falar um palavrão, sem dar um tabefe naquele moleque que não controlava os próprios impulsos. Confesso que procurei alguma coisa bem chula para dizer mas simplesmente, não saiu. E o garoto não tinha nem 50 quilos, do alto de nem 20 anos de idade. Poderia ter dado uma boa surra nele sem risco de revide. Ele apenas se afastou e não o vi mais na igreja.

Na verdade, o que mais guardo desse episódio, é justamente a minha reação: não fiz absolutamente nada. Minha violência anterior prevista resumiu-se à minha indignação e a pergunta ficou: por que reagi daquela forma?

Os anos de caminhada vieram, e muitas situações foram vividas – não homossexuais como essa – mas pude, por varias vezes entender que, a ideia que fiz de mim mesmo, muitas vezes, esteve equivocada. Quantas vezes decepcionei-me, tomando uma atitude vil quando me imaginei heroico na atitude, disse uma idiotice quando me programei para citar um provérbio que me deixaria com um charme irresistível, quantas pregações pudia garantir que seria um derramar dos céus sobre a vida de meus ouvintes, e no fim ter que tossir bem alto no fim da palestra, para acordar o pessoal que me ouvia na igreja.

Se houveram vitórias? Claro, quando menos esperava, aconteciam, um reconhecimento ali e acolá, de algo que nem imaginava que pudesse ter repercussão, uma proposta financeira por um tipo de trabalho que tinha como hobby, surpreendido por aplausos no lugar de vaias.

Vi que o controle da minha vida não estava em minhas mãos: nada está. Nem o começo, nem o fim, e nem o que acontece durante essas duas pontas. Os amigos eram inimigos, e inimigos eram grandes ajudadores.

Mas não pense que estou sozinho nesse controverso mundo do auto-conhecimento e auto-aceitação: as cadeias estão recheadas de histórias de pessoas comuns que, um dia, em um momento de ira, mataram. Elas jamais imaginariam que passariam seus dias trancados em pequenas celas após cometerem alguma atrocidade: um crime sexual, soluções desastrosas de gente que você nunca imaginou que faria tamanha maldade.

Filmagens secretas revelando babás espancando crianças e velhinhos, pastores e padres envolvidos em escândalos sexuais, covardias, mentiras, adultérios cometidos por pessoas que se julgavam livres de qualquer paixão, fornicações de jovens reconhecidamente sérios em sua firmeza cristã, hipocrisia de gente que garantia ombridade.

Mais cedo ou mais tarde, o fedor escapa e não somos mais capazes de fingir ser sempre limpinhos.

A maior benção que pude receber desde meu encontro com meu Mestre foi aceitar o quanto podemos ser precários, falíveis, frágeis, mesquinhos, em algum momento de nossa existência, por mais que teimemos em garantir o contrário. Valorizou ainda mais o sacrifício de cruz.

“Arrependam-se” clamava o profeta aos ventos do deserto. Ele sabia que não há um justo sequer, por mais teologia e oração que se tenha na bagagem.

Não somos justos e nem bons .

Somos justificados por quem quis que assim fosse. Resta-nos clamar a Ele, pedindo para que livre-nos desse mal, de não termos condições de mantermos nossa própria vontade.

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