Dúvidas na alma do profeta

por Zé Luís

A escuridão é momentaneamente invadida por uma fresta de luz trémula. Vinha de um archote, que desce as escadas em direção a sua cela. São dois de seus discípulos, que pela primeira vez, veem no semblante de seu mestre, o último dos profetas, a falta momentânea da conhecida firmeza de seu olhar.

Alguém poderia imaginar que a vida no calabouço no palácio de Herodes poderia abater alguém, viver dias a fio fechado entre pedras frias, onde o ar é abafado e impestiado do cheiro de morte de anos, onde o feno é cama, e também a única forma de higiene pessoal após urinar e defecar. Com os dias - ou noites, como saber? - o cheiro tornara-se uma coisa só, apenas perceptível ao que vinha, mas para ele podia ser escremento, ou sua ração diária de alimento.

O profeta tinha uma indagação absurda: estava em dúvida, contrariando a própria Palavra que diz que aqueles que confiam não seriam confundidos.

-Pergunte se ele é aquele a quem estávamos esperando, ou se haverá outro?

João, chamado Batista, foi o maior nascido de mulher – segundo palavras de seu primo, o Mestre – mas mesmo assim, um dia a incerteza o assolou. Havia dado tempo integral de sua existência a cumprir os desígnios que ouvia diretamente de Deus Todo Poderoso, e tornou-se conhecidamente excêntrico em seu meio.

Mas ali, diante das consequências das atitudes tomadas, próprias de ser profeta por escolha divina, encarcerado por denunciar a imoralidade, independente se o denunciado tem autoridade na Terra para poder feri-lo. Ali, após ter-se revolvido entre suas fezes, um pensamento o assaltou:

-E se?...
-E se tudo que pensei ter vivido não passou de uma escolha insana e irreal?
-E se todo o sacrifício em nome de Deus ser apenas vaidade pessoal, para mostrar o quanto fui melhor que os outros, no que se referia a santidade...
-E se me enganei em minha escolha? Se tudo que vi e presenciei foi apenas uma imensa mentira da vida?

Coisas que a escuridão na alma é capaz de causar. E falamos aqui de João, o maior, o profeta que sabia que seu tempo chegava ao final.

O homem-Deus diria o que, diante de tal infâmia? Diante de um titubeio dessa magnitude?

Não pergunte aos atuais homens-de-Deus: eles não podem dizer a verdade, não revelarão as angustias solitárias de não ter quem os aconselhe, quem os acuda diante de suas fraquezas e pecados, necessidades e taras, avarezas e gulas. Eles tem que usar máscaras, escondidos debaixo da cama de suas vidas, com medo do Pai entrar com sua cinta e espancá-los por mentirem descabidamente e por a perder a geração de almas que pertencem ao Cristo. Não que Ele o faça, mas no fundo, esperam receber sua punição, por merecer.

“Ide contar a João o que estais ouvindo e observando: os cegos veem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, aos pobres anuncia-se-lhes o Evangelho; e bem-aventurado aquele que não achar em mim motivo de tropeço.

Não, senhoras e senhores! Ele não mandou uma advertência com dedo em riste, questionando a falta de fé do primo famoso, Jesus não balançou a cabeça negativamente, em lamento pela decepcionante falha, nem tão pouco ignorou-o por questionar tal injuria.

Não.

Ele respondeu apenas a pergunta, sem reprimendas, sem imputar culpa: ele trazia alivio, não grilhão. O homem-deus é estranhamente diferente dos chamados homens-de-deus. Talvez, ao invés de se auto denominarem assim, podiam buscar ser tentativa-de-cópia-do-homem-Deus.

Ele respondeu que acontecia atos e ações, milagres e mudanças, misericórdia e justiça, acontecendo como era de se esperar quando o Messias andasse na poeira desse mundo.

Gente morta voltava a vida, gente que nunca viu, começou a enxergar. Gente que mancava, endireitava o passo, gente leprosa, sem sensibilidade em seu corpo, era milagrosamente curada, e a história do homem-Deus era contada para pessoas que supostamente eram desprovidas de entendimento.

Que as classes não se choquem com a forma que o Mestre escolhe para fazer seu trabalho. Esse será o que Ele receberá.

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