Borboletas de papel

por Zé Luís

O filho nada entendeu quando, justamente seu pai, foi quem permitiu que seu lindo castelo, cercado das mais belas cercas de proteção - que ele mesmo tinha inventado, fosse invadido pelas mais terríveis bestas do inferno, pisoteando todas as bobagens filosóficas e religiosas nas quais gostava tanto de acreditar, e tão orgulhosamente citava como motivo das coisas caminharem tão bem em sua vida:
“Como frutas”
“Eu trabalho certo”
“Mantenho o sorriso”
“Sou duro quando tem que ser duro”
“Não bebo água da torneira” e tantas regras aleatórias que fazem qualquer um acreditar que o acumulo delas nos faça ter cercas resistentes.

Você pode imaginar que o pai de Epaminondas (esse poderia ser o nome de nosso herói) era um carrasco cruel, que entrega seus amados filhos ao eminente extermínio, mas ele era muito mais conhecido por seu amor para com eles, embora fazer as coisas com justiça era outro atributo.

Diante dessa informação, alguém pode entender que Nondas (o apelido inevitável do garoto) era um crápula medonho, merecedor de todas as hordas infernais em seu quintal.

Também não é bem isso

Foi em um dia qualquer – pode ser uma terça-feira, daquelas sem nada que a faça memorável. Quando menos esperava, suas cercas estavam pisoteadas pelos monstros, invadindo o castelo, estraçalhando a ponte levadiça, gritando pelo saguão real e eles subindo as escadarias que levavam aos seus aposentos.

Eram gigantes, embora houvesse quem os visse e dissesse que não passavam de borboletas de papel. Apavorado, Nondas os viu entrar, impotente, um a um, povoando o pequeno cômodo com medo e acusações de erros não resolvidos. Ele não tinha forças para gritar ou lutar, embora soubesse que suas cercas nunca funcionariam quando esse dia chegasse. O maior deles se aproximou e com um safanão, quase o derrubou da cama. Usava uma máscara horrível, distorcida, e o cheiro, que Nondas conhecia bem, só tinha ficado mais pútrido com o passar do tempo
.
“E pensar que ele já foi meu amigo, que confiava em seu auxílio nos momentos mais difíceis” - pensou, enquanto as outras bestas atavam seus membros com uma força cada vez mais intensa, tirando dele toda a capacidade de agir.

Vim aqui para você me destruir. - disse, babando.
Não posso...eu não sei como... vamos deixar isso pra outro dia... o tempo conserta tudo...

Ao fundo, de alguma forma, o pai observava tudo.

-Quero que veja o monstro covarde que eu sou, vou tirar a máscara e você olhará em meus olhos, reconhecerá o verdadeiro maldito, digno de morte, que eu levo – disse a besta-fera, exalando seu hálito podre na cara de Nondas.

O bicho parecia se divertir com as contorções que o filho tinha em seu rosto, suando frio, taquicardíaco... não havia mais ninguém que pudesse assumir aquela desigual batalha, alguém para empurrar a culpa, um ser que ele não tivesse dito “foi ele!” e aos poucos, tirou a máscara, revelando o horror: era o rosto de Nondas que se escondia ali, uma versão antiga, suja e maliciosa. Mas era Nondas.

Aquilo o feria. Epaminondas pois, no fundo, sempre soube a verdadeira identidade daquele monstro, Sempre fingiu crer que ele era controlável, inofensivo, mas sabia da sua capacidade destrutiva, mentindo, fingindo, mancomunando, prometendo fidelidade para ser desleal em seguida, mostrando-se amigo apaixonado quando, no seu íntimo, seus sentimentos eram como a lua, e totalmente editados em sua boca.

Ele viu o quanto era monstruoso, e não havia quem culpar, uma cerca que o protegesse dele mesmo, filosofia ou método que o fizesse se sentir limpo: aquilo tomou proporções incontroláveis, deixando-o gradativamente – e nas mais diversas áreas - doente.

Em meio a trevas desesperadas de pensamentos que sufocavam todas as saídas, tinha apenas o tenebroso túnel que leva ao auto-extermínio ao qual começava a trilhar em direção. Lembrou de soslaio da presença branca em seu quarto: a faísca no pensamento era suficiente para botas as sombras para correr, e tudo ali, construído arduamente pelo inferno pelos anos, desaba pelo chão, como fosse um imenso castelo de trevas feito de bexiga e preenchido com água, que se evapora quando picada pela luz.

-Pai...
-Eu tô aqui...
-Obrigado Pai... perdoa...
-Shhhhh... fez Ele, pedindo silêncio ao filho, que o via instantaneamente ao seu lado, na cama, como que acordasse de um pesadelo.
-Como vou lidar com isso, Pai?
-Isso agora é comigo. Meu sangue te purifica de todo mal...só descansa...
-Para onde foram os monstros?
-Eles estão aqui... você ainda os vê, não posso privá-lo de enxergar... estão na janela – disse o Pai, a beira da cama, apontando pequenos insetos disformes voando para fora do quarto.
-Por que parecem inofensivos agora? Magia?
-Eu curei você e agora você vê a verdadeira dimensão do perigo que oferecem.
-Parecem borboletas...
-Borboletas de papel...

Nondas dormiu aquela a noite o sono dos justos, e desde então nenhuma borboleta de papel daquela espécie o amedrontou. Aquele medo estava vencido. Viriam outros, em seu devido tempo, mas o Pai estará lá, caso Nondas queira apelar a Ele.

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