Ele tem um plano

por Zé Luís

-Quais dos seus homens enviarás, Senhor?
-Jonas...
-Mas... ele não irá! Sabe como ele é... - disse o anjo.

Não precisava ser Deus para saber que aquele profeta não iria cumprir os desígnios para qual fora chamado. E ninguém poderia culpá-lo:
Pregar o amor e perdão aos estupradores e assassinos das filhas de seu povo?
Falar de compaixão aos que degolaram e empalaram seus irmãos e irmãs, deixando os corpos expostos ao sol para que corvos viessem se alimentar de seus restos?
Dar uma chance para os que não conhecem a misericórdia?

Os anjos e os servos sabem: nem sempre é fácil compactuar com os planos do Criador. Nos falta entendimento, compaixão, misericórdia, renúncia. Onde você espera um merecido dilúvio, vem um livramento. Quando aguardamos um Apocalipse que castigue tudo o que merece, eis que surge uma nova redenção, um novo fôlego, uma nova chance.

Por nós, se tivéssemos a onisciência Dele – e não enlouquecêssemos diante de tamanha consciência – o universo não duraria milésimos de segundo: sua destruição seria decretada logo na primeira perversidade encontrada, na primeira imagem de pedofilia, na agressão ao inocente, no primeiro assassinato. Você certamente não estaria aqui, lendo tranquilamente diante destas letras.

Deus sorriu ao planejar a pregação de seu servo. Creio no bom humor de Deus.

Para um povo que rende oferendas aos deuses do mar, Ele enviaria alguém surgido das profundezas do águas, vomitado na praia por um servo do deus dos Ninivitas, o grande peixe que trouxe o profeta, uma visão dos céus dos pagãos se tornando realidade, um sinal verdadeiro que um ser superior ouvia suas orações e mandaria seu decreto.

E o sinal viria de alguém mal-humorado, que olhava aquele povo com profundo desprezo.

Pense nas pessoas da cidade recebendo a visita daquele que emergiu do fundo do mar, e dizendo aos moradores com total desinteresse: “se vocês não se arrependerem, Deus destruirá a todos...”(e ele, o profeta, desejando profundamente que seu precário sermão não fosse ouvido).

Quando Deus fez os cálculos para salvar Nínive, tinha em mente, um profeta desobediente, que fugiria pelo mar, para que fosse lançado a ele. Cuidou para que um peixe pudesse crescer o suficiente, a ponto de ser capaz de engolir um homem inteiro, e dar provisão de oxigênio por dias. Naquele dia, haveria um peixe grande e um homem em rebelião.

O Todo-Poderoso leva em conta os temperamentos dos homens e mulheres que pretende usar na construção de sua História: para um Filho ser crucificado, um governador romano omisso deve estar a frente de seu julgamento. Para destruir milhares de homens injustos de uma vez, um cego chamado Sansão surpreenderá a todos com a recuperação de sua força. Para conduzir toda uma população de temperamento difícil através de um deserto terrível e mortal, Deus prepara um  - então - ancião calmo, que conhece os segredos dos escravizadores, que é da família dos escravizados (aqueles que peregrinarão), com quarenta anos de experiência com os opressores, mais quarenta de experiência no terreno onde trilharão pelo mesmo tempo. Ele tem uma linda moça preparada- como Ester – para tornar rainha em um país estrangeiro, e salvar o seu próprio povo por estar nessa posição privilegiada.

Jonas não queria, e Deus sabia que sua insatisfação em cumprir a tarefa o levaria a fazer o que fez. O profeta não pegou o Criador de surpresa. Alguém consegue imaginar um ser “onisciente” surpreendido por uma ação inesperada?
-O que? Cadê o Jonas? Tô com a passagem comprada e ele embarca para Társis! Mas deixa ele Comigo! Vou chacoalhar aquele mar até o barco afundar. Tá pensando que tá brincando com qualquer deusinho? Ele vai se ver comigo...


Logicamente, durante a viagem de Jonas, no conforto molhado das tripas de um animal marinho, o profeta teve muito no que pensar em meio a tanta escuridão, silêncio e umidade. A morte que esperava não vinha, e o fim de sua saga não era no capítulo 1. Ele ainda tinha três a serem escritos, e desejaria a morte que não veio pelo estômago do bicho.


Mas essa continuidade dependia de um novo entendimento, fazia-se necessário que aquele homem  - justificadamente desobediente  - entendesse que ele foi preparado para aquele momento, e o seu querer era infinitamente menor que a vontade de quem o criou.

Normalmente, não entendemos o nosso verdadeiro chamado, nem o “ministério” no qual fomos inseridos. Queremos estar preparados para o que vier, como se Deus dependesse de nossos refinamentos para cumprir os propósitos que tem para nós.

Caso fosse assim, como poderíamos desfrutar da paz? Pessoas que vivem na ansiedade de se aperfeiçoar, se preparar sem saber em que área, imaginando que o dom com o qual servirá a Deus é “aquele” que sua vaidade apontou: se imagina cantando, pregando, orando por alguém, como se o Reino Dele se resumisse a esses poucos elementos.

Quando o Mestre quiser que você pregue, você não escolherá como, a quem ou o que pregar. Jonas era a antítese do que um missionário é, e sua eficácia supera em muito o árduo trabalho dos voluntários de missões da área:

1. Ele não atendeu ao chamado, fugiu.
2. Não tinha o menor interesse em conhecer a quem Deus queria salvar. Um missionário sempre busca envolver-se.
3. As vezes. muitos anos se passam para alguns missionários, sem que uma alma sequer se converta, apesar do preparo e formação que estes tem em sua bagagem. Jonas, em sua má vontade, usou um dos sermões mais simples já ditos, mas a cidade toda se converteu.
4. Jonas não sentiu no coração para pregar. Não havia prazer algum nesse homem em estar trazendo a Palavra de Deus.

Não se sinta culpado. Deus faz como, quando e com quer.

Comentários

  1. Zé Luis,

    Este texto até hoje me consola.
    Vira e mexe leio e releio.

    Por descuido meu nunca comentei aqui ele.

    Que Deus te abençoe por cada palavra escrita. Minha alma foi cheia do Espírito Santo.

    Um abraço em Cristo.
    Henrique

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  2. Obrigado, Henrique.

    Não me lembrava desse texto. E lê-lo me lembrou de algumas coisas das quais andava esquecido.

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