Tarde demais: o septuagésimo nono aniversário de Moisés

por Zé Luís

Mais um aniversário, mais um ano de paz e sossego: setenta e nove anos vividos em segurança, uma bela família. Zípora dera-lhe dois filhos, Jetro, seu sogro, homem religioso e dono de rebanhos, deu-lhe asilo e um emprego, quando, há trinta e nove anos atrás, chegou fugido do Egito.

O tempo fora generoso àquele homem, conservando-lhe impressionantemente o mesmo vigor no qual chegará, mas dentro daquela alma, o ímpeto dos anos de sua juventude havia passado. Suas convicções íntimas, de que era um destinado, alguém no qual fora marcado por Deus para um propósito maior, fora abafado pela lenta e continua aridez dos desertos no qual pastoreava as ovelhas do sogro, do qual era funcionário e a tudo pedia permissão.

Um dia havia sonhado, quando homem jovem e forte, formado nas melhores faculdades do Egito, que libertaria sua descendência escravizada, mas sua tentativa de iniciar uma revolução remeteu-o a quase quarenta anos de exílio, vivendo exatamente como pastor de ovelhas, animal repudiado pelos seus antigos educadores, assegurando que a repulsa egípcia evitaria que o procurassem ali.

Diante daquela comemoração de seus setenta e nove anos, uma nuvem de tristeza encheu novamente seu olhar, mesmo diante da alegria dos atuais amigos e familiares: era assim que seus dias terminariam, e nenhum sonho ou profecia, afinal de contas, se cumpriria. Toda aquela convicção em sua alma, que o torturava e insistia em tirar-lhe o sono nas madrugadas, fazendo-o sair da tenda para olhar as estrelas, nada mais era que alguma má digestão, devido a ingestão de carneiro assado já tarde da noite. Zípora sempre o avisava para maneirar na janta.

Era tempo de se conformar (ele sempre dizia para si mesmo), seus dias, apesar do vigor, estavam próximos do fim. E assim dormiu aquela noite, após a pequena comemoração, com uma lágrima, solitária e seu segredo, o anseio torturante de achar que a vida reservava algo bem maior, mas que tudo não passara de um sonho, que era tarde demais.

Mal sabia ele que, em menos de um ano, a partir daquela noite, ouviria uma voz através de um arbusto em chamas, no meio do expediente entre ovelhas, que recolocaria sua existência na rota para qual Deus o havia chamado e repetido por anos a fio.

Quando seu tempo chegou, trazendo mais quarenta anos de não pouca luta, aquele homem pensou em relutar, argumentar sobre sua desnecessidade, que outro poderia assumir sua posição. Mas era para ele o chamado, nele residia as angustias de saber que havia aquele propósito, mas que também havia um tempo para tudo.

Para ele, assim como para o pensamento humano comum, nós é que ditamos para a vida quando estamos prontos para batalha, mas se existe na alma daquele a certeza que seu chamado descende do Trono, então resta descansar, para que, no tempo certo, alguma sarça se dirija a nós, para que nós, loucos por crermos, possamos obedecer sua voz, apesar de inseguros, amargos, cansados, doloridos e calejados pelos longos anos de espera pelo tempo certo.

Na luta, e em paz.

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