O livro sobre sua história

por Zé Luís

-Calma pessoal, isso pode ser apenas um sonho – disse Deus, sentado à mesa da frente, ao lado da grande lousa verde e gasta.

Os cinco amigos se entreolhavam na sala de aula, os únicos presentes nas mais de 50 cadeiras de estudante. A sala ensolarada tinha as paredes pintadas de verde claro, e a luz que vinha das janelas, praticamente um lado inteiro da parede, enchia a sala, lembrando as manhãs de domingo.

Deus se levanta com cinco livros e os distribui entre os presentes, que não conseguiam entender ainda como foram parar ali.

Os livros tinham capas parcialmente brancas, e a outra parte da capa era preenchida com seus próprios rostos, como um pequeno mosaico feito de pequenas fotos dos eventos registrados de suas vidas. Suas páginas eram escritas a mão, e podia-se identificar duas caligrafias em cada uma das brochuras, além de algumas páginas em branco.

-O que vem a ser isso? O senhor é Deus? - perguntou Daniel.
-Nós morremos? - apavorou-se Ana – Como foi isso? Como morremos, meu Deus!
-Pois não? - respondeu Deus, com um olhar enigmaticamente divertido.

Leandro tenta ficar de pé, mas diante do Criador, baixa a cabeça, não consegue encará-lo. Conhece-o razoavelmente bem para respeitá-lo ao menos nesse ponto. Mesmo assim, procura as mãos e vê cicatrizes: “é Ele!”

- Vocês oram sempre e pedem para saber seus destinos, quer que Eu revele o que será de suas vidas e seus futuros. Eis aí. Podem ler... - respondeu o Senhor, voltando a sentar na mesa, sem deixar de observar cada reação.

João é o primeiro a entender que o livro descreve sua vida, sua própria história, logo a folhear o prefácio. Fala sobre seu nascimento, sua cidade natal, os fatos ocorridos naquele dia. Nasceu na Páscoa, no sul do país. A mudança dos pais para Mato Grosso do Sul, sua conversão ainda na adolescência, seu primeiro casamento...

- Senhor? Serei viúvo?

Deus nada responde. Os outros compreendem. Os cinco ali juntos já havia algum tempo se reuniam com esse propósito: ter de Deus a revelação de seu futuro.

Ao ouvir a pergunta de João, os quatro encararam os livros que contavam suas histórias. Daniel abre imediatamente, Leandro olha de lado e encara o livro lentamente antes de folheá-lo com cuidado. Ana põe a mão a boca, e o segura com as duas mãos sem abri-lo de imediato. Fernanda nem o toca;

-Por que meu livro tem tão poucas páginas, Senhor?

Deus a olha, mas não responde. Ela faz uma pergunta óbvia, e sabe a resposta.

Ela chora, mas diante disso, Deus sorri, levanta da mesa e vai até ela. Abre o livro no inicio, põe o dedo na página e quando ela lê, sorri, começando a folhear com calma tudo que ali vai escrito. O Criador tira um lenço e enxuga o rosto da moça, que lê agora com grande alegria suas parcas páginas.

-Deus? Isso aqui está certo? Uma amputação por causa de um acidente? Senhor... não aceito esse destino para minha vida... - lamenta Leandro. Ana aproveita a falta de respeito com a divindade presente e também questiona:
-Como assim abortos? Que conversa é essa de eu ter um caso com um homem casado? Jamais!
-Gay? Eu terei uma relação homossexual depois de tantos anos casado? - diz Daniel, em tom alterado, desacreditando no que lê – Sou crente no Senhor! Isso jamais...
-Desculpe, Daniel... - interrompe João – mas eu sempre desconfiei desse seu jeitinho...
-Que jeitinho? Do que está falando?
-Minha mãe morre!
-Não pode estar certo... meu irmão comete suicídio...
-Como assim “câncer”?
-Não vou me tornar pastor então...
-Morrerei sozinho...meu filhos me odiarão...

Eles começam a ficar horrorizados com o livro que leem. Deus, já de volta a mesa de professor, observa o desespero crescente.

-Olhem as caligrafias, meus filhos.
-Uma letra é minha... a outra eu conheço mas não lembro de quem seja... -comenta João, seguido pelos outros que dizem a mesma coisa.
-Agora entendi as páginas em branco... - sorriu Fernanda, o que fez o sorriso de Deus ficar mais intenso, fazendo parecer com que a luz do sol que inundava aquele lugar ficasse mais intensa.
- Vocês querem saber o que a vida reserva para sua existência, já que boa parte dela é escrita realmente por suas mãos, não pelas minhas. Minha escrita na vida de vocês só existe nos seus livros quando vocês dão espaços para que eu escreva...
-Mas existem trechos aqui, meu Senhor, que foi o Senhor quem escreveu e coisas terríveis aconteceram... - interrompe Leandro, desrespeitosamente.
-Sim... é verdade Leandro, João e Daniel...
-Eu não disse nada, Senhor! - protestou Daniel.
-Pensou, meu querido filho. Esqueceu quem eu Sou?

Daniel emudece e já não consegue encarar Deus.

-Seus desejos levam vocês a lugares que vocês não querem estar. As opções restantes são as que eu geralmente uso. Opto sempre pela melhor...
-Câncer? - questionou Ana.

Deus a encara, e estranhamente, ela parece entender os porquês, embora para os outros não faça sentido.

-Dei o que vocês precisavam, dentro do que vocês me deixaram como opção para poderem compreender. Sabem agora de seus destinos, embora hoje vocês não tenham a menor condição de entender meus caminhos. Pedem algo que são incapazes de digerir. São como crianças de maternal tentando entender a profundidade da intimidade de um casal.
-Eu não quero mais saber disso, Senhor...- lamenta Ana, seguido depois pelos outros. Parecem crianças chorando, sem compostura, fazendo beiço, esquecendo que são quase adultos.

Não entenderam quando acordaram chorando, cada um em sua casa, nem porque abandonaram o propósito de orar pedindo por revelações sobre as coisas vindouras. Estranhamente, na reunião de oração de jovens daquela manhã, Fernanda pergunta:

-Vocês não lembram, não é?
-Lembramos do que, “Fê”? - falou Ana inocentemente.

Fernanda sorri. Tira um pedaço de papel do bolso, uma folha arrancada de um livro escrito a mão. Era uma dedicatória - e uma explicação, com aquela velha caligrafia tão conhecida, mas nunca dantes vista, e a lê, sem que seus quatro amigos entendam do que se trata:
“Essa história ainda não terminou.
Não até que eu tenha preenchido todos os espaços vazios que você deixou para eu recontar, e quem sabe, reescrever, inserindo, se me aprouver, mais páginas.
Se existe alguém que não se agrada de ver um filho sofrer, esse alguém sou eu.
Mas mesmo que eu não venha a acrescentar páginas, ou não encontre espaço no seu livro para refazer nossa história, saiba que esse pequeno folhetim que você chama de livro de sua existência, não passa de um rápido prólogo para a imensa história que tenho para você.
Que você não viva apenas para esse mundo.
Não crio filhos para serem miseráveis, os adoto para serem eternos, e eternidade não encontra lugar nesse atual mundo.
Te amo, minha filha”

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