Minhas noites de Daniel

por Iara de Du Pont

Tenho uma amiga que procura todo mundo no Facebook, pessoas que dividira um brinquedo com ela na creche, não importa o ano, ela acha. Já cansei de discutir com ela sobre isso, o passado a gente não procura, se ele quiser que volte. Acredito no filtro que a vida coloca, caso contrário a vida de todo mundo seria mais bagunçada do que já é, seria impossível conviver ou saber de todas as pessoas que cruzaram nossos caminhos.

Um tempo atrás eu comentei com ela sobre um amor perdido, Daniel, que eu gostaria de saber por onde andava. Ela varreu o Facebook e não achou nada. Mas guardou o nome e semana passada me mandou um link, achando que podia ser ele, porque as informações batiam.

Entrei na página dele e fiquei na dúvida, pelas fotos não parecia ser ele, mas resolvi arriscar, nem sei o que me moveu, mas sempre tive vontade de saber dele. Como não tinha certeza se era ou não, mandei uma mensagem, dizendo que eu tive um amigo com o nome dele e gostaria de saber se era ele ou não, porque eu não o reconheci nas fotos.

Semanas depois ele respondeu, uma mensagem de três linhas:

Sim, sou eu, lembro de você e me desculpe mas gostaria de te pedir para não me escrever novamente, para mim o passado não existe.

Quando li a mensagem fiquei congelada alguns minutos.

Ele dizia `o passado não existe ´. Mas para mim ele nunca foi passado, posso fechar meus olhos e ver ele diante de mim sorrindo. Depois do choque inicial entendi perfeitamente o que ele quis dizer. Ao contrário dele meu passado existe porque eu escrevo, senão fosse assim, não existiria.

Não reconheci ele na foto porque não é o mesmo que está grudado na minha memória e no meu coração. Lembro de um garoto de cabelos castanhos e cacheados, meio tímido, magro e com o jeito mais doce que já conheci em alguém. A foto que eu não reconheci tinha um rapaz super malhado, com brincos, piercings, tatuagens, careca e com jeito de mau.

Assim eu não conheço e ele não existe pra mim. O que eu tenho dele é a imagem de uma blusa vermelha que ele usava quando eu vi ele descendo as escadas, no dia que o conheci.

Hoje ele carrega tatuagens por todo o corpo, eu também tenho as minhas, mas preferi que fossem invisíveis a todos, mas se ele me visse em um sonho algum dia poderia ver algumas das minhas tatuagens, poderia ver como tenho tatuado na pele o que eu sentia por ele, as lembranças e a risada. Também poderia ver minha tatuagem de lágrimas o dia que fiquei sabendo que ele tinha namorada.
Ao mandar a mensagem ele estava correto. A única coisa que ele errou foi na noção de tempo, o fato de eu não existir para ele agora não quer dizer que nunca existi em sua vida.

Mas isso não tem importância. Mandei a mensagem movida pela curiosidade e tive meu merecido, o passado é coisa para se respeitar, não para mexer à toa.

Minha amiga tentou me consolar dizendo que eu mudei, ele mudou, não somos mais os mesmos, por isso ele tem uma certa razão em não querer nenhum tipo de contato, ela até me disse que ele não deve ser tão `legal ´assim, se mandou essa mensagem. Eu não sei de hoje, sei do passado e ali ele foi uma pessoa incrível.

O que as pessoas fazem ou pensam do seu passado é seu problema, mas meu passado eu vejo de outro jeito. Não sou a mesma que ele conheceu, uma pena isso, porque eu era melhor pessoa naqueles dias, mas o que eu senti e vivi com ele está no meu passado, congelado, é como uma lembrança que sempre me faz bem. Ele pode negar o que quiser, mas fez parte do meu passado, pertenceu ao meu tempo. E eu não preciso do Facebook para sentir ele perto de mim, nem para sentir qualquer coisa.

Não preciso de um computador para fechar os olhos e lembrar. Não preciso de ninguém para me dizer que o passado não existe. Para mim ele existe, tanto que está lá.

E nem fiquei chateada com a mensagem como achei que ia ficar, parecia um estranho falando comigo, esse Daniel eu nunca vi nem penso ver. O Daniel que eu amei, amo e penso amar até o último dia sorria para mim todos os dias, esse Daniel conheceu a melhor parte de mim e manteve a água pura, não me contaminou.

Quisera eu que todos os amores que eu tive depois tivessem tido a mesma intensidade e pureza. Mas não tiveram, por isso Daniel é pra mim tão sagrado.

Para ele o passado não existe mais, para mim é a melhor parte da minha vida. Quando as coisas apertam, a luz vai embora e a lua se esconde, eu só tenho meu travesseiro e minha memória, é ela que aquece meus dias longos e minhas noites tortuosas, ela que me traz de volta meu Daniel, sorrindo, é graças ao meu passado que muitas noites no meu presente são menos difíceis. Quando deixo de acreditar em alguém, é a lembrança de Daniel que me salva, penso que talvez um dia eu ainda vá conhecer alguém com a mesma doçura. Para ele o passado não existe, para mim é a única garantia que tenho de que um dia eu já fui feliz.

A Iara, entre outras coisas, é blogueira e escreveu o texto no SMM

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