A dificuldade apostólica de aceitar o que Deus já aceitou

por Zé Luís

Está lá, eternizado nas cartas - feitas – sagradas, sem que ninguém se desse conta: Os seguidores de Jesus não conseguiam aceitar o tamanho da liberdade que a cruz tinha trazido.

Certo fariseu de cidadania romana e convertido a Cristo, andava espalhando fora do reduto religioso - onde se originou toda a história sobre certo filho de Deus que morreu para salvar os que Nele acreditavam – que a Lei por onde os judeus viviam já não tinha mais poder sobre aqueles que assim o aceitavam (o tal nazareno morrera no lugar daqueles que viviam errando, segundo a tal Lei).

Paulo – esse era o nome do tal fariseu convertido - dizia que tudo podia: comer carne de porco, coelho, inseto. Não era mais necessário guardar sábado, nem tão pouco se preocupar por se contaminar por tocar certas coisas – ditas - imundas. Embora nem tudo pudesse ser conveniente, tudo era permitido, bastando apenas estar em paz com a consciência, já que essa fora renovada pelo Espírito, que inunda todo aquele que a Cristo aceita.

O problema é que aqueles que, por pregação de Pedro e outros discípulos se convertiam, sempre nas províncias judias, e nunca entre estrangeiros como os convertidos através de Saulo - outro nome de Paulo – fazia, não tinham essa certeza toda.

Pedro, é verdade, não tinha problema com isso. Quando esteve visitando o ex-fariseu na Galácia, província lá para os lados da atual Turquia, sentou a mesa com os gentios (nome dado aos estrangeiros não judeus) e serviu-se do que a mesa oferecia, sem a preocupação israelita comum do que era puro ou impuro: ele já não vivia pela Lei, aprendeu isso diretamente com Jesus, e portanto poderia comer o que a vida lhe trazia como alimento.

Pense em um apóstolo bravo quando Pedro, percebendo a chegada do pessoal de Jerusalém no recinto, saiu disfarçadamente e mudou de mesa, largando os estrangeiros e se isolando junto aos seus. Paulo ficou irritado e falou poucas e boas na cara daquele que andou pessoalmente com, nada menos que, o Filho do Deus Altíssimo.

Paulo vai a Jerusalém resolver isso, e unificar a história que se formava, tirar a limpo essa coisa de pode-não-pode embutida por gente religiosa, infiltrada no meio dos salvos. Esse tipo de pessoa religiosa vive querendo organizar coisas onde não são solicitadas, plantando seus joios para que o trigo não fique tão indecentemente atraente. Elas repugnam a liberdade, não conseguem estar a frente de um trabalho sem a certeza que tem as rédias próprias e que podem conduzir seu grupo conforme lhes convém, apesar do dano: não demora para que peguem a verdade e a distorçam para que caibam em seus entendimentos, geralmente, mesquinhos e medíocres. E você sabe: verdade tem que ser pura. Verdade misturada ganha outro nome: Mentira, muito conhecida hoje em dia por meia-verdade, inverdade, verdade relativa.

O ex-fariseu se irritou quando, lá para os lados do capítulo 15 dos Atos, um bando desses religiosos começou a adaptar Jesus a suas crenças pessoais e passaram a exigir circuncisão para ser salvo. Circuncisão – ou retirada da parte de pele da ponta do pênis – é da Lei dos judeus, e só se aplicava aos que descendiam de Abraão, mas o religioso prefere mudar Deus a ter seus costumes enraizados arrancados. Afinal de contas, esse tipo de raiz só pode ser removida pelo Espírito, e essa intimidade toda - a ponto de aceitar tão profunda mudança – não é para qualquer um.

Pedro interveio a favor das ideias de Paulo, alegando que o Espírito Santo os havia aceito da forma que eles eram. Certo Thiago - não o irmão de João, esse já havia sido decapitado logo no começo do livro – se levanta e fala a todos os residentes presentes que isso deveria ser aceito.

Fez ressalvas: comida sacrificada a deuses e determinadas formas de sexo – ditas – imorais realmente estão proibidas.

E nesse ponto que me atenho a fraca afirmação do meu singelo título: Thiago – ou James em algumas bíblias, que alguns defendem ser um outro filho de Maria, mãe de Jesus – também tinha suas restrições em aceitar o comportamento estrangeiro que comia, bebia, trabalhava, ia ao banheiro, dançava, fazia sexo, casava, se vestia, se despia, de forma tão diferente daquela que eles haviam sido instruídos como a única correta. Ele falou mais alto até que Pedro, e Paulo o chamava de irmão do Senhor.

Não há como não admitir, a favor da Lei, já que ela salvou milhares de judeus na Peste Negra, quando os hábitos de higiene do Torah impediram que contraíssem a Leptospirose, doença que dizimou gerações na época. Que não morressem por comer peixes apenas com escamas, já que, nas guerras, os sem escama eram envenenados pelos outros povos ainda quando nadavam, e os com escamas, não. Evitar a carne de porco era prudente quando nem se sabia ainda sobre os perigos da solitária e não se podia contar com geladeiras em pleno deserto. Até os benefícios higiênicos da circuncisão no 8º dia de vida, único dia comprovadamente onde a cicatrização é mais rápida na vida do ser humano. Os malefícios a saúde do sexo anal, ou mesmo da frequente mudança de parceiros sexuais.

Os judeus não sabiam desses benefícios, e deixar de cumprir a Lei normalmente fazia com que pestes naturais se abatessem sobre eles, identificando-as como “ira de Deus”. Procuravam cumprir a Lei como autômatos, por verem a mesma como regra, e não como benefício. Hoje a Ciência comprova esses benefícios, quase 2.000 anos depois

Mesmo assim, admitiram em assembleia geral: o Espírito não havia rejeitado aqueles que não seguiam o livro de regras israelitas, Deus habitava-os como o fazia nos mais purificados judeus convertidos.

Quando rejeitamos aqueles que Deus acolheu, não aceitando assim a escolha Dele, por mais santos que sejamos, estamos então em rebeldia contra as decisões do Altíssimo? Ou alegaremos diante dos Céus que nosso zelo “pelo que é certo” faz com que apelemos para antigos entendimentos, descartando a liberdade alheia, condenando-os assim às fogueiras inquisitivas, as mesmas que a mesma História nos horroriza quando relata a crueldade de suas motivações?

Algo em nós, esse resquício do “fruto do conhecimento do bem e do mal”, experimentado por nossos antepassados continuam impondo em nosso DNA essa necessidade de impôr vereditos, segundos nossos rotos critérios, distorcidos, mesquinhos, encucados por grupos sociais que estavam comprometidos com seus próprios interesses, e portanto, comprometidos com suas necessidades que quase nunca tem relação com os Daquele a qual afirmamos amar e defender.

Na verdade, as regras que inventamos não é para que Deus possa aceitar aquele que julgamos imundos: é para que nós os aceitemos.

Basta olhar para a evangelização das tribos indígenas e vermos a necessidade – NOSSA - de vestirmos os seios da índia, cobrir as genitais dos guerreiros das selvas. O uso de gravata e terno, algo tão europeu – para sermos aceitos como dignos pregadores de muitos púlpitos evangélicos (e como esses ternos tornam aceitos mesmo aqueles que nada tem Nele).

Comentários

  1. Em Atos 15 essas proibições de comida eram mais uma política de boa vizinhança, pra evitar confusão.
    Mas a questão da relação sexual ilícita já é algo mais sério, pois todo o restante das escrituras falam sobre isto como pecado. Geralmente usam a palavra "porneia".

    Hoje em dia existe uma crescente intelectual evangélica que está tentado derrubar este conceito de sexo fora do casamento ser pecado, mas não enxergavam assim na época de Jesus.
    Eles já estão conseguindo dessacralizar as escrituras, igual fizeram na europa. E a fé lá morreu rápido. O que fazem na prática é isto: Caráter de Deus = minha concepção do que é certo ou errado, eu defino. Não importa o que foi escrito, vale o que eu penso.

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  2. Pegando gancho no que o anônimo falou, não creio que a fé hoje no Brasil não esteja em vias de extinção: as denominações que lotam templos, na verdade, não pregam Evangelho algum. Falam de auto-ajuda, da parcialidade da Lei que obriga ao envolvimento financeiro dos fiéis, temos entretenimento, dança, canto, corais, comícios... e muitas vezes o sistema de apelo nada mais é que mecanismo para aumentar membresia, sem que o ES esteja inserido no contexto.

    E é comum pensarmos, quando se fala em Liberdade, que a Lei abolida dá ocasião para prática do pecado, um erro de entendimento bem comum: essa liberdade só existe para os que estão em Cristo, e quem está em Cristo procura não sair traindo cônjuge, matando, roubando, mentindo. O cumprimento da Lei, na verdade, toma maior força, embora não deixemos de pecar por causa da penalidade que ela impõe, mas porque a "nova consciência" não se adapta ao comportamento antigo.

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