UM POVO QUE GOSTA QUE LHE DIGA QUEM ODIAR
Nota do editor:
O texto é de Gore Vidal, escrito em Literary Gangsters em 1970. Foi visto no Bacia das Almas e, embora tenha quase meio século de existência, é fórmula usada sem moderação por muito sites e fanpages - ditas - defensoras de heresias, contra corrupção e tantos outros portais que apelam à truculência para conseguir seu espaço na audiência (e audiência, você sabe, é controle de pensamento de massas). Amargamente atual:
O problema inicial do gângster literário é profundo: como ser notado? Como encontrar um lugar ao sol? Tendo sido por um quarto de século observador deste cenário, com um interesse particular em crimes literários – para usar a celebrada frase da New York Times Review, – eu sugeriria ao aprendiz de criminoso que escreva o seguinte na tampa de sua máquina de escrever: o leitor dos nossos dias está interessado não em análise, mas em opinião, preferivelmente hostil e inesperada.
Alguns anos atrás um delito clássico começou com a declaração de que embora Bernard Shaw seja um péssimo dramaturgo, algumas páginas de sua crítica musical não são ausentes de mérito. Isso causou interesse. Foi também um golpe formidável, porque não se fez nenhuma tentativa de demonstrar a posição. Uma opinião foi formulada em voz alta, e a evidência em contrário foi ignorada.
Do mesmo modo, o aprendiz de gângster literário deve sentir-se livre para inventar fontes e citações, com base no fato de que os leitores das revistas mais intelectuais sabem pouco sobre tudo, particularmente sobre o passado.
Desnecessário dizer que quanto mais violento e ad hominem for o estilo, mais agradecidos os seus leitores serão. O nosso é um povo que gosta que lhe diga quem odiar.
Finalmente, o gângster literário não tem como errar quando, embora aparente sustentar os mais elevados critérios de julgamento, ataca indiscriminadamente os artistas do momento, ataca o que é popular com base no pressuposto de que o que dá prazer a muitos é sinal de corrupção e ataca o que é muito admirado com base no pressuposto de que visto que todos os valores da sociedade são falsos (por razões óbvias não proponha valores alternativos), todo herói cultural deve refletir necessariamente a insensatez dos que o adoram.
Não convém louvar qualquer pessoa viva; infelizmente, de vez em quando pode ser necessário parecer apreciar alguma coisa feita por alguém do nosso tempo, e nesse caso escolha um autor estrangeiro tipo Borges; ele é velho, admirado no exterior e suas obras são curtas o bastante para serem efetivamente lidas. Daqui a alguns anos ele poderá sempre ser descartado como herói cultural dos “insensatos anos sessenta”.
Lembre que hoje em dia a rotatividade das reputações literárias acompanha a velocidade da moda feminina. Portanto não pare: se você ocasionalmente contradisser a si mesmo, ninguém vai perceber porque ninguém está prestando atenção.
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