Outra fábula sobre ovelhas e lobos

por Zé Luís

Em um tempo e lugar não tão distantes e desconhecidos, ovelhas viviam em pequenos apriscos e se reuniam periodicamente para ler o Manual das Ovelhas, discutindo regras de convivência do manual.

Este Manual,  sagrado para as ovelhas, foi dado por seu criador (veterinário e pastor), onde haviam sugestões e regras vitais de sobrevivência. Para melhor se organizar, as ovelhas acharam por bem que cada comunidade – eram vários apriscos – tivessem além desse manual, manter sub-lideranças, um “conselho diretor”, ovelhas postas sobre cada pequeno rebanho.

Sabendo disto, alguns lobos, vendo nisso uma oportunidade, infiltraram-se disfarçados de ovelha. Claro, quanto maior o talento do lobo, maior sua capacidade de iludir as ovinas, e não demorou para te-los em sua liderança, a ponto – pasmem – de re-interpretarem o tal manual, de forma tal que lobos deixavam de ser vistos como algozes, e com boa retórica, relativizavam a instrução, transformando em lenda, por exemplo, trechos que eram vitais.

Claro: com lobos dirigindo os rebanhos, as tais reuniões de meditação sobre o manual começaram a ser, gradativamente, substituídas por futilidades circenses, cantorias sem sentido, esquisitices místicas, tomando o lugar da real necessidade de transmitir o que era vital para existência de uma ovelha. Lobos sabem que qualquer bicho que não pensa é presa fácil, independente da raça.

Para matar sua fome sem levantar suspeitas, os lobos comiam apenas as gorduras (elas passaram a acreditar  na desnecessidade de esforço, de transpiração, e pela nova lógica do entendimento- muito mais confortável - ver-se inchando era sinônimo de crescimento). Em agradecimento, doavam parte desse “crescimento” como oferta de gratidão, formando uma perversa cadeia alimentar.

A retórica “lobal” era tão boa que, às vezes, eles – os lobos – quase criam que eram ovelha, mas diante do espelho, sem o disfarce, suas dúvidas se dissipavam.

Não demorou para o lobo-chefe trazer toda matilha para trabalhar na diretoria, ganhando polpudas remunerações. Claro: boa parte das reuniões de conselho destas novas ovelhas passaram a ser na calada da noite, secretas então, pois treinava os novos associados, familiares do lobo, a arte dos disfarces e eram como ovelhas. Seu filho, seguindo os passos do lobo-chefe, assumiu uma das vagas do conselho diretor, deixada por uma das ovelhas questionadoras, que insistia em pensar apesar dos pesares, sendo logo afastada por rebeldia e falta de colaboração com "o rebanho", entre outros rótulos usados para denegrir ovelhas em apriscos(na verdade, mesmo que a ovelha fosse participativa e fechasse os olhos para o que estava acontecendo, lobo ama lobo, e igualmente a acusaria: ele queria a vaga para o filho...entende?).

O plano ia de vento em popa: com a nova visão, havia gordura em abundância, suficiente para alimentar muitas matilhas, e não fosse por uma ovelha remanescente daquele conselho, que por algum motivo sobrenatural ainda permanecia entre os lobos, toda a liderança do aprisco estaria em suas mãos.

Um dia, essa ovelha cai enferma. Amada, respeitada, sua comunidade se mobiliza em prol da recuperação da ovelha doente. Como deve ser nos apriscos, o rebanho inteiro intervém, visita a ovelhinha doente, manifesta sua preocupação com esse precioso membro do conselho.

Nas reuniões do manual, todas queriam saber noticias dela, o que incomodou o lobo-chefe, levando-o a antecipar seus planos e atacar a pobre ovelha, aproveitando-se de sua doença.
- Voce não pode mais fazer parte do conselho diretor – disse o lobo chefe à ovelhinha velha e doente. – Sua condição envergonha toda a comunidade! Você nem precisa mais ir às reuniões para leitura do manual das ovelhas.
- Mas chefe! Não está certo! Estou me recuperando, e no Manual das Ovelhas não tem nada que me condene pela minha situação atual! Não é justo!
- Está decidido! Eu sou o chefe, e já decidi! Cuide da sua vida, e não precisa mais vir às reuniões, entendeu?  Disse o mascarado, quase deixando escapulir um uivo de felicidade.

As ovelhas não iriam aceitar o conselho diretor apenas com dois integrantes, ainda mais sendo pai e filho, mas já tinha algo em mente: Lembrou-se de um lobo dos infiltrados que ele havia banido para outra comunidade há algum tempo. Chamou-o, pois continuava disfarçado de ovelha, numa outra comunidade distante...

A história continuaria com as peripécias do lobo, informando o aprisco que a doença súbita da ovelhinha que pensava foi causada por sua rebeldia contra o amado pastor, e por não seguir o manual de forma adequada, morria. Não demorou para que os mesmos amigos de tempos o expulsassem de seu aprisco, deixando-o para morrer fora do redil, e gritando, ironicamente:
-Deixe-o aí para que os lobos o peguem! É isso que ele merece!

Ovelha estrupiada pelos males que a vida traz (as aflições que o criador, autor do manual, alertara), estava para morrer quando sentiu as mãos dele, o pastor-criador-veterinário, e não lembrou de mais nada. Desmaiou.

Sentia-se bem quando abriu os olhos, embora doia-lhe as fisgadas nas feridas, tratadas pelo próprio veterinário. Estava na casa do criador.

Ela, tomada de raiva, tentou balir como seu ex-líder lobo, com raiva e petulância, em protesto, mas como ovelha que era, soltou apenas sua fraca e débil voz:
-Por que nos deixou na mão daqueles malditos lobos? Não vê que os apriscos estão apinhados deles? Que criador é você que diz amar sua criação – como diz seu manual – e nos abandona àquelas criaturas?

O criador parecia não ouvir a reclamação do bicho, concentrado na cura das chagas, limpando o pus das feridas, esterilizando as suturas, não com pouca dor e protesto da parte da ovelha:

-Que porcaria de pastor é você que deixou seus rebanhos chegarem a este ponto? Se você é tão bom, mas as coisas estão desta forma, não é capaz de nos salvar, mas se for capaz de nos ajudar, e não o faz, não é bom, é mau... não creio mais em você, apesar de estar me mantendo viva e curada.

O semblante do pastor deu uma leve revirada de olhos, como quem ouve um velho discurso entediante. Levantou-se após os curativos estarem bem fixados, e indo até a porta do quarto – que dava para o quintal – escancarou a porta, revelando no terreno uma pilha imensa de cadáveres de lobo.

"Preciso que as ovelhas saibam – disse ele, com voz mansa e suave, incondizente com o poderio destrutivo que ia naquele ser – que tipo de bichos elas são. Os lobos são lobos, mas ovelhas que amam seu comportamento canino não anseiam em ser matilha ao invés de aprisco? Não tenho por inocente nenhuma das ovelhas que amam coisas de lobos.
Como pode ver, - continuou - não tenho dificuldade alguma de lidar com lobos, ou o bicho que for. Mas minhas ovelhas preferem ouvir os conselhos de lobos...

-Meu criador! - interrompeu a ovelha – muitos nem imaginam que ali, disfarçado de ovelha, vai um lobo!

-Você sabe que todos sabem. O aprisco está cheio de ovelhas querendo ser lobos hoje em dia, todos amam mais a versão canina do manual. Ovelha gosta de pasto, não da carne de suas irmãs, minhas ovelhas se contentam com água, não se excitam com o cheiro do sangue alheio. Nunca deixei de observar vocês, mas não com pouca tristeza que às vi se deliciando com a maldade da alcatéia nas comunidades vizinhas. Estou apenas dando tempo ao tempo, antes de exterminar todos os lobos e levar minhas ovelhas para um lugar definitivo.
-Quando será isso, meu pastor?
-Espero a decisão de conversão de algumas: muitos lobos se converterão em ovelhas, e ainda muitas ovelhas, não com pouca dor, voltarão ao costume ovino. Se ficar comigo, verá isso acontecer...

Muitas coisas foram ditas ainda naquela tarde, mas nos resta saber que a ovelha foi curada, e para assombro dos lobos, foi vista conversando nos apriscos, causando a expulsão de alguns lobos-chefe. A partir daquele dia, a matilha não dormiu em paz, já que o numero de ovelhas que os aceitavam começava a diminuir. Os lobos começaram a arquitetar um novo plano, com a astúcia que os lobos tem...

Mas isso é outra história...

O texto enviado pelo blogueiro Dalton Curvello, como de autoria anônima, e readaptado aqui.

Comentários

  1. Caro irmão e amigo ZéLuiz,

    Fiquei realmente muito emocionado com a unção presente nesse texto! Dou graças a Deus por sua vida e discernimento genuinamente cristão. Todos já conhecemos alguma(s) dessa(s) comunidade(s) infestada por lobos, e o texto que me enviaram (e eu lhe repassei)realmente carecia de sua complementação. A presença do criador sarando as feridas da ovelhinha doente me levou às lágrimas. Muitas vezes não percebemos essa presença curadora e cuidadora do verdadeiro pastor (João 10:10)
    Graça e PAZ!

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  2. Zé Luís, sempre me surpreendendo! Qualquer semelhança com a minha história não é mera coincidência. É uma pena que as ovelhas a minha volta prefiram os lobos. Vou copiar no Recortes. Seu texto me comoveu e fortaleceu minha convicção de que a seu tempo, o Sumo Pastor tomara as suas ovelhas com carinho. Forte abraço, companheiro de jornada. Lutemos por apriscos melhores.

    Em tempo, segunda vez em menos de 1 3 dias que penso em escrever sobre um tema e o vejo aqui, isso é que é andar no mesmo Espírito.

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  3. Oi Zé!
    Algumas considerações (simples, porém úteis):
    1. Entendo que trata-se de carta com endereço certo e vejo com bons olhos que assim seja e faça;

    2. O autor conhece muitas histórias de bastidores e pode estar correndo risco de vida (kkkkk)!

    3. O que seria o resultado do cruzamento de um lobo e uma ovelha? Pois me parece que os contemporâneos já conseguiram esse feito, dada a quantidade não só de falsos pastores (lobos), mas de falsas ovelhas também (o que sugere o possível cruzamento "genético! rsrs - Deus me livre!!

    Estou ansioso pra ler o que mais virá..

    Abçs!

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